De acordo com os sábios antigos, Cântico dos Cânticos é um dos livros mais espirituais de toda a Bíblia. Muitos discordarão exatamente por não compreenderem sua profundidade. A maioria consegue ver o Deus da Bíblia como Elyon — o Altíssimo que se assenta no trono sublime —, ou como Adonai Tzevaot — o Senhor dos Exércitos —, ou simplesmente como Yeshua — o Salvador do mundo. Porém, não consegue se relacionar com Ele como Chatan — o Noivo.

Cântico dos Cânticos, também conhecido como Cantares de Salomão, mostra o Senhor como esse Noivo único e fiel em um “relacionamento sério” e eterno com sua amada Noiva Israel. Sim, as Escrituras são claras a respeito da identidade da Noiva que é Israel. E a Igreja? Ao ser redimida, ela foi enxertada em Israel e também faz parte da Noiva (Rm 11:16-18). Ela é composta por judeus e gentios nascidos no Espírito em Yeshua, o Messias de Israel. A igreja gentílica foi enxertada em Israel e não o contrário. É bom que sempre lembremos disso, como alertou o apóstolo Paulo. Ao contrário do que muitos alegam, Deus não rejeitou Israel (ver Rm 11:1-2).

“Abre, minha irmã!”

Cantares fala da busca contínua, desenfreada e mútua, de um casal de noivos que se ama e se entrega apaixonadamente um ao outro. Essa é a chave para o livro aludida pelos sábios. É nesse contexto de romance, profundo amor e afeto que o Noivo busca sua Noiva amada. Ela declara: “Eu dormia, mas o meu coração velava. Ouvi! A voz do meu amado que está batendo: Abre-me, minha irmã, amada minha, pomba minha, minha imaculada” (Ct. 5:2). Não é surpreendente, sabendo-se quem é o Noivo, que Ele venha até nós buscar essa comunhão íntima? Essa porta na qual bate é nosso coração. O fato de vir até nós demonstra não apenas amor, mas uma enorme humildade.

O problema é que nem sempre estamos despertos ou dispostos a abrir-lhe a porta. O comodismo da carne e as coisas desse mundo nos impede de nos levantarmos de nosso sono. “Já despi a minha túnica; como a tornarei a vestir? Já lavei os meus pés; como os tornarei a sujar?” (Ct. 5:3). Quando a Noiva decide se levantar e abrir-lhe a porta, o Noivo já se foi. Não sem antes deixar seu óleo perfumado na maçaneta. Esse é o óleo da unção por onde passa e que permanece sobre todos que o recebem.

Vemos, então, que essa porta somente abre pelo lado de dentro e somente uma pessoa tem condição de abri-la: aquele que ouve suas batidas. É também nesse contexto que o autor de Hebreus diz: “Hoje, se ouvirem sua voz, não endureçam o coração” (Hb. 3:15). Essa carta endereçada aos judeus messiânicos os remetia diretamente a essa passagem conhecida de Cantares. A mensagem é: o Noivo nos busca como Noiva, individual e corporativamente, para uma profunda comunhão. Cabe a nós ouvirmos e abrirmos a porta de nosso coração, desfrutando com Ele dessa comunhão e intimidade, a fim de não perder o tempo de sua visitação.

“Eis que estou à porta”

Esse mesmo desejo de comunhão nunca deixou o coração do Senhor, pois Ele é imutável. Ao contrário, somente aumentou após seu sacrifício supremo no Calvário, uma vez que concedeu livre acesso a toda a humanidade ao Trono de sua graça, por intermédio do Messias Yeshua. A mesma liberdade que temos de comparecer ao Santo dos Santos no dia e à hora que desejarmos, buscando comungar com o Noivo, Ele vem até nós, mas não entra sem antes bater. E espera para que lhe abramos a porta. Ele jamais violará o livre arbítrio que nos concedeu. Em outras palavras, Ele quer ter certeza de que desejamos sua companhia.

Assim como a Noiva de Cantares, o outro problema que surge dessa liberdade, bem como das consequências benéficas de suas bênçãos, é acharmos que já temos o bastante e, assim, agirmos de modo autossuficiente. É exatamente esse o erro no qual incorreu a Igreja de Laodiceia. Era uma congregação que se julgava rica e cria que nada lhe faltava. Esse engano a levou a um estado de tepidez do qual não tinha ciência e estava prestes a ser vomitada da boca do Senhor. Ela se via rica e abastada, mas, na verdade, não sabia que era uma coitada, miserável, pobre, cega e nua (Ap. 3:17). Como nos vemos ou conforme os homens nos veem não tem a mínima importância. Nosso foco deve consistir em saber como Deus nos vê. Isso fará toda a diferença.

Muitos afirmam que Laodiceia representa a Igreja dos últimos dias, o que faz total sentido. E até mesmo Laodiceia com seu orgulho foi alvo da graça abundante do Noivo. Em vez de condená-la, Ele a admoesta e faz um convite: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele comigo” (Ap. 3:20). Este é o mesmo Noivo de Cântico dos Cânticos que busca sua Noiva pela noite, batendo à porta de seu coração. E o fato de vir até nós, bater à porta e aguardar pacientemente que a abramos demonstra novamente sua enorme humildade. Cabe a todos que ouvirem suas batidas, abrirem-lhe a porta imediatamente a fim de desfrutar de sua intimidade incomparável.

“Porque, como o jovem se casa com a moça, assim os teus filhos se casarão contigo; como o noivo se alegra com a noiva, assim se alegrará contigo o teu Deus.” (Isaías 62:5)

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This will close in 20 seconds